Como não fazer apologética: a falácia ad hominem
Rev.
Marcelo Lemos
Em
outro artigo, também publicado aqui no blog, abordamos a falácia doespantalho. Recomendo que o leitor leia-o antes de prosseguir, se não
o fez. Naquela ocasião demonstramos como se dá a falácia do
espantalho, além de apontar sua desonestidade. À ela somaremos
outra, a falácia conhecida como ad
hominem.
A expressão significa “contra
o homem”. Trata-se
da tentativa de vencer um debate, ou desqualificar um argumento,
atacando a
pessoa que
o fez, e não a validade do argumento em si.
A
falácia
ad hominem
é muito comum no cenário político, especialmente em ano eleitoral.
De fato, sabe-se que as campanhas políticas investem milhares de
dólares na elaboração de dossiês contra os adversários, com o
objetivo de desqualificá-los diante do público eleitor. Denúncias
apontam que milhões de dólares movimentaram a industria do Fake
News na última campanha presidencial nos Estados Unidos, e tudo
indica que o mesmo acontecerá no Brasil este ano. O grande
investimento feito nesse tipo de manobra demonstra algo bem simples:
a tática funciona! Por isso, as campanhas políticas geralmente
tendem a focar nos 'podres' dos outros candidatos e não na
apresentação de propostas, e ainda menos na análise qualificada
das mesmas.
Tal
como se dá com a falácia do espantalho, também os ataques
pessoais
as vezes aparecem na apologética. É verdade que, idealmente, tanto
a pessoa quanto os seus argumentos devem ser verdadeiros, mas não
significa que sejam a mesma coisa. Uma é a pessoa, outra é sua
conduta pessoal, e outra coisa bem diferente são os seus argumentos.
Um bom apologista precisa considerar isso com cautela.
Há muitos anos, numa consulta de rotina com um pneumatologista, flagrei o mesmo fumando seu Mallboro na varanda do consultório. O mesmo médico que por anos alertava seus pacientes contra os perigos do fumo! Mas, o fato dele próprio não seguir os conselhos que dava aos seus pacientes, tornava seu argumento contra o tabaco errado? Não! Por mais que fosse possível e fácil apontar um erro na conduta pessoal do médico, seus alertas contra o tabagismo continuavam verdadeiros, até onde a gente sabe. Um paciente dignosticado com câncer de pulmão poderia gritar “mas o médico é fumante”, e a realidade seria a mesma. Em outras palavras, precisamos analisar o argumento da pessoa, e não a pessoa – a menos, claro, que quem esteja sob julgamento seja ela.
Há muitos anos, numa consulta de rotina com um pneumatologista, flagrei o mesmo fumando seu Mallboro na varanda do consultório. O mesmo médico que por anos alertava seus pacientes contra os perigos do fumo! Mas, o fato dele próprio não seguir os conselhos que dava aos seus pacientes, tornava seu argumento contra o tabaco errado? Não! Por mais que fosse possível e fácil apontar um erro na conduta pessoal do médico, seus alertas contra o tabagismo continuavam verdadeiros, até onde a gente sabe. Um paciente dignosticado com câncer de pulmão poderia gritar “mas o médico é fumante”, e a realidade seria a mesma. Em outras palavras, precisamos analisar o argumento da pessoa, e não a pessoa – a menos, claro, que quem esteja sob julgamento seja ela.
E
por ser uma tática de argumentação muito comum, a falácia contra
o homem acabou desenvolvendo algumas variantes. Nas análises que
farei busco fazer algumas observações práticas, a fim de que o
leitor possa, tanto se precaver contra seu uso, quanto evitar cair no
mesmo tipo de falsidade intelectual. Cabe dizer que esse tipo de
falácia é bastante complexo, e esse texto não pretender ser
exaustivo, mas quer apontar diretrizes que auxiliem o leitor a evitar
tal manobra desonesta em seu trabalho de apologética.
A
[suposta] doença mental de Ellen G. White
Ellen
G. White foi a mulher que deu cara, cor e propósito ao movimento que
originou a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Seus discípulos a
consideram a “Mensageira do Senhor”, a pessoa sobre quem, nos
supostos últimos dia da Igreja, Deus colocou seu “espírito de
profecia”. Em minhas pesquisas sobre seitas e heresias encontrei
vários ataques pessoais a Sra. White. O mais bizarro deles alega que
suas profecias seriam fruto de uma doença mental que supostamente a
acometia. Não é preciso analisar se tal acusação é verdadeira ou
não para expor a falácia do argumento. Porque? Porque ainda que
profetisa do Adventismo fosse completamente lunática, isso em nada
deporia contra os seus rebuscados argumentos. Se os seus argumentos
são falsos, sua boa saúde mental não os validaria, e se fossem
verdadeiros, sua loucura só tornaria sua posição ainda mais
admirável. Não importa se ela era ou não demente, só importa
investigar se seus argumentos resistem a uma análise bíblica,
histórica e teológica.
Não
sou apologista da Sra. White. Na verdade, em meu blog pessoal tem um
artigo bem extenso [Adventismo contra o Sola Scriptura] no qual
aponto alguns motivos pelos quais seus ensinos devem ser
classificados como heresias. No entanto, é triste ver que alguns
apologistas tentem a atacar a pessoa da Elle G. White, quando
deveriam focar apenas em seus argumentos doutrinários. Isso é
triste por várias razões. Primeiro porque é desonesto. Segundo
porque é perda de tempo, e ainda coloca o outro lado do debate, ou
seja, os defensores da Sra. White, na cômoda posição de
“perseguidos”. E por fim, é triste porque um apologista que
argumenta por meio de falácias, no mínimo deveria ser repreendido.
O
preconceito de Natanael
No
Evangelho de S. João encontramos um exemplo clássico da falácio ad
homine. "No
dia seguinte quis Jesus ir à Galiléia, e achou a Filipe, e
disse-lhe: Segue-me. E Filipe era de Betsaida, cidade de André e de
Pedro. Filipe achou Natanael, e disse-lhe: Havemos achado aquele de
quem Moisés escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho
de José. Disse-lhe Natanael: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?
Disse-lhe Filipe: Vem, e vê" (S. Joao 1:43-46).
Antes
de ouvir Jesus, antes de conhecê-lo pessoalmente, Natanael conclui
que a pregação de Jesus era desprovida de valor. Qual a razão?
Natanel elabora o seu julgamento baseado nas origens de Cristo, a
cidade de Nazaré. Comprometido com um preconceito social em vigor em
seu tempo, Natanael ataca Jesus sem considerar a validade de sua
pregação e ministério. A responsta de Felipe não poderia ter sido
melhor: "Vem, e vê!". Como Natanael, muitas vezes somos
tentados a sequer considerar o argumento do outro com base em algo
nele de que não gostamos. Se você é branco, alguém pode dizer que
não tem direito de falar sobre racismo, e se é rico, talvez lhe
vetem o direito de discutir justiça social. O
correto é que os argumentos sejam avaliados com justiça, mesmo
quando não gostamos de alguma característica de seu autor.
"Paxtôr"...
"Desigrejado"...
Nos
últimos tempos tem crescido ataques direcionadas à lideranças
evangélicas. Muitas
criticas possuem uma boa dose de razão, tendo em vista os abusos
cometidos por uns e outros. Por outro lado, é desonestidade
intelectual concluir que todo líder evangélico - ou de qualquer
outra religião - é um traidor da causa, ou coisas semelhantes.
Apesar
da evidente desonestidade de quem assim argumenta, tem se tornado
cada vez mais comum esse tipo de ataque. Especialmente nas redes
sociais, muitas pessoas sequer consideram o argumento caso seu autor
seja um pastor, diácono, presbítero, bispo... Se é "paxtôr",
como alguns gostam de zombar, não pode ter algo de bom e verdadeiro
a dizer. E se não é "paxtôr", é "institucionalizado",
e a argumentação segue na mesma linha.
Há
também o outro lado da moeda quando se utiliza o neologismo
'desigrejado'. Para muitas pessoas, um desigrejado é alguém que não
é membro de uma denominação, ainda que seja membro de uma Igreja
local. Pessoalmente, considero 'desigrejada' a pessoa que não
congrega de modo algum, o que é uma apostasia da fé cristã. No
entanto, ainda que alguém seja, de fato, um desigrejado, a sua
argumentação deve ser analisada com base em seu mérito histórico,
teológico, exegético, prático, enfim.
De
ambos os lados, infelizmente, o que geralmente se percebe são
ataques pessoais. Um show de farisaísmo de quem não é capaz de
tirar a trave do próprio olho, mas se acha no direito de apontar o
cisco no olho alheio.
Conclusão
É
possível que o leitor esteja pensando em diversos outros exemplos da
falácia ad hominem. Por ser tão comum, esse tipo de desonestidade
intelectual acaba fazendo parte do nosso dia a dia. Sua popularidade,
no entanto, não justifica seu uso. O apologista cristão deve,
sempre, primar pela verdade dos fatos. Também é natural que quando
somos vítimas de ataques pessoais, a tentação seja devolvermos na
mesma moeda e, em muitos casos, o 'adversário' tem um telhado de
vidro enorme, como que implorando para tomar pedradas! Resista!
Mantenha a calma, e analise os fatos.
Por
fim, quando somos vítimas de ataques pessoais, digo que também vale
expor a falácia do adversário, demonstrando sua desonestidade
intelectual - neste caso, não se trata de devolver na mesma moeda,
desde que você simplesmente atenha-se a analisar a manobra faláciosa
da outra parte.
Rev. Marcelo Lemos. Presbítero da Free Church of England, em Belo Horizonte. Editor da Revista "O Báculo", e do blog Olhar Anglicano.
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